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PELÉ E SUPEITOS EM ANGOLA

Pelé e os negócios suspeitos de Angola


Rei do Futebol se envolve em escândalo imobiliário no país africano ao se declarar sócio de empresários brasileiros que venderam, e não entregaram, casas em condomínios de luxo na capital Luanda

Em outubro de 2009 e abril de 2010, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, desembarcou em Luanda para oferecer o prestígio do seu nome na divulgação de empreendimentos imobiliários de quatro empresários brasileiros na capital de Angola. Hospedou-se no Hotel Alvalade, de onde saiu para participar de entrevistas, fazer comerciais, posar ao lado de protótipos das casas e até visitar o presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979. Nessas ocasiões, o maior jogador de futebol de todos os tempos se apresentou como sócio da empreitada. “Fico feliz por investir em Angola”, disse, à época. “Deus sempre me coloca em equipes vencedoras.” Dois anos depois, o megaprojeto residencial ruiu, emaranhado numa sucessão de escândalos, pelo não cumprimento de pelo menos 540 contratos de vendas das unidades de classe média e alta, ao não entregá-las no prazo combinado. E o tom do Rei do Futebol mudou completamente. O staff de Pelé afirma que ele atuou apenas como garoto-propaganda da marca Build Angola. A sociedade, tão decantada no grandioso lançamento, é agora negada.
Os empresários Antonio Paulo de Azevedo Sodré, João Gualberto Ribeiro Conrado Jr., Paulo Henrique de Freitas Marinho e Ricardo Boer Nemeth, donos das empresas angolanas Readi Angola e Galson, venderam apartamentos, lofts, casas e quintas a preços abaixo da média do mercado angolano (leia quadro). “Eu comprei minha casa no Bem Morar, ainda na planta. Paguei US$ 105 mil à vista”, afirma a diretora da Televisão da Província do Bengo, Ana Paula Esteves. “Trabalhei muito para conseguir esse dinheiro e agora me sinto roubada”, diz a executiva, que deveria ter recebido as chaves de sua casa há um ano. De acordo com informações colhidas junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, Sodré responde a uma ação penal interposta pelo Ministério Público por crimes contra a fé pública, em um processo por irregularidades na importação de avestruzes, no início dos anos 2000.
Com uma estratégia agressiva de publicidade, que incluiu ainda estrelas da televisão local, a Build Angola obteve êxito até setembro de 2010, quando começaram a circular e-mails de supostos clientes afirmando que a empresa não iria honrar seus contratos. “Fomos vítimas de uma campanha de difamação arquitetada por um ex-funcionário nosso chamado Werther Mujjali, que mandou mensagens com nomes falsos”, afirma Paulo Sodré, em entrevista à ISTOÉ, ao lado dos seus três sócios, no escritório localizado na Vila Olímpia, região nobre de São Paulo. Segundo perícia feita por profissional contratado pelos brasileiros, as mensagens partiram do computador desse ex-funcionário, com quem travam uma batalha judicial pela marca Build. Sodré diz que as dificuldades começaram a partir da disseminação desses e-mails, já que os compradores deixaram de pagar as parcelas das casas. As unidades eram tocadas somente com o dinheiro das vendas e pararam por completo em 2011. Procurado pela reportagem, Werther Mujjali não retornou as ligações. ISTOÉ apurou que a situação se agravou no início deste ano, com funcionários brasileiros da Build Angola recebendo ameaças, operários angolanos sem salários e registros de invasão dos escritórios da empresa em Luanda. Uma comissão que representa 300 compradores entrou com processos na Justiça e há queixas registradas na polícia.
“Eles cometeram uma sucessão de erros e é evidente que houve má administração do dinheiro que receberam das vendas”, disse à ISTOÉ um empresário brasileiro do ramo imobiliário de Angola, cujo mercado não oferece as mesmas condições apresentadas no Brasil, onde há financiamento bancário e uma rede de seguros para incorporações. O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor de Angola comunicou o caso à embaixada brasileira e oficiou autoridades policiais para que abrissem investigação. “Esses sujeitos agiram de má-fé e mancharam a imagem do Brasil aqui. Agora é comum ouvir na rua que todo brasileiro é vigarista”, diz o empresário do setor de hotelaria e navegação Hélder Rosa, que gastou US$ 496 mil por uma casa no Bem Morar. A moradia está em pé, mas não há ligação com rede de esgoto nem abastecimento de água e luz.
Colonizada por Portugal, e flagelada por uma guerra civil que começou em 1979 e perdurou até 2002, Angola é uma nação rica em petróleo e com uma economia pulsante. Mas também é um dos países mais corruptos do mundo, ostentando o 168º lugar num total de 183, segundo o ranking da Transparência Internacional. Ex-presidente do Banco Nacional de Angola e ex-coordenador da Agência Nacional de Investimento Privado, Aguinaldo Jaime era próximo da Build Angola – esteve no encontro entre Pelé e o presidente José Eduardo Santos, por exemplo. Jaime foi flagrado por uma investigação do Senado dos Estados Unidos na tentativa de desviar US$ 50 milhões do governo angolano para uma conta particular em um banco americano. “Em conversa por telefone com o senhor Aguinaldo Jaime, ele me confessou que pagou à Build US$ 400 mil por uma loja da Pastelândia e esse dinheiro nunca entrou no caixa da empresa”, acusa o dono da rede Pastelândia, Marcos Regina, ex-sócio do quarteto brasileiro na franquia e na Build. Os quatro negam qualquer contato comercial com Jaime. “Testemunhei reuniões em que eles diziam que iriam se livrar do negócio (Build Angola)”, rebate Regina. Ele afirma ter sofrido um prejuízo de US$ 1,2 milhão por conta da parceira. Por sua vez, a Build Angola diz ter encontrado, por meio de auditoria, desvio de dinheiro de US$ 600 mil durante a administração de Regina.
A direção da Build Angola afirma que tem a receber US$ 34,6 milhões da sua carteira de clientes e precisa pagar outros US$ 23,7 milhões para concluir as obras. “Estamos perto de fechar uma negociação dos nossos ativos para dois grandes grupos empresariais angolanos que vão assegurar o término e a entrega das casas”, declara Paulo Marinho. Em meio a essa situação indefinida, apenas uma coisa parece certa. A imagem do Rei Pelé foi atingida. “Nós estamos decepcionados; 90% das pessoas só acreditaram na Build Angola porque Pelé emprestou sua credibilidade à empresa”, diz Hélder Rosa. “O que posso adiantar é que não existe nenhum tipo de sociedade. O que foi feito e já expirou foi um contrato de Cessão de Uso de Imagem para o lançamento desses empreendimentos”, afirmou o advogado de Pelé, Paulo Gustavo. ISTOÉ apurou que o Rei do Futebol tem a receber, a título de pagamento, quatro unidades residenciais cuja construção também não terminou. Na hipótese mais benigna, Edson Arantes do Nascimento é vítima do empreendimento que Pelé garantia. (IstoÉ)

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