Crack, o pesadelo da maternidade
Crack, o pesadelo da maternidade
Entre
as mulheres, os danos causados pela dependĂȘncia de crack afetam
seriamente uma segunda vida: a do feto. Pesquisas indicam o alto Ăndide
de gravidez nĂŁo planejada entre as usuĂĄrias da droga, muitas vezes fruto
da prostituição. A situação Ă© de tal gravidade que autoridades de saĂșde
discutem a oferta de contraceptivos, nos casos mais urgentes, a fim de
impedir a gestação por até dois anos. Quando, aos 27 anos, Laura(nome
fictĂcio) fumou a primeira pedra, assumiu o risco de comprometer para
sempre o futuro de alguém que ainda estava para nascer. Começou com a
maconha, mas em poucos meses evoluiu para a cocaĂna, a merla e chegou ao
crack. Desceu o mais fundo que podia. Conheceu a solidĂŁo, a violĂȘncia, o
crime, a prostituição, a doença. Dessa mulher, depende o pequeno
Victor, o filho que Laura teve sem querer, fruto de uma relação sexual
para sustentar seu vĂcio. AtĂ© os seis meses de gestação, ela nĂŁo sabia
que estava grĂĄvida. Descobriu depois de um acidente, quando, sob o
efeito da droga, foi atropelada e socorrida em um hospital.
Laura
desejou abortar. Batia com a barriga na parede, continuou a fazer
programas e nĂŁo parou, nem por um dia, de fumar a pedra. Um dos efeitos
da mistura da cocaĂna com solventes Ă© a vasoconstrição, um processo de
contração dos vasos sanguĂneos que compromete a passagem de nutrientes e
de oxigĂȘnio para o bebĂȘ, o que pode causar hemorragia intracraniana,
redução do perĂmetro cefĂĄlico, diminuição do ritmo do crescimento,
pressĂŁo alta, deficiĂȘncia visual, auditiva, do coração, no esqueleto, no
intestino. Outro sintoma comum entre as usuĂĄrias Ă© a falta de apetite.
Mesmo grĂĄvidas, dependentes do crack sĂŁo capazes de passar dias sem se
alimentar.
Na tese de graduação pelo Centro UniversitĂĄrio de BrasĂlia (Uniceub) chamada "Caracterização da cultura do crack no Distrito Federal", que observou usuĂĄrios atendidos pelos Centros de Atenção Psicossocial de Ălcool e Drogas (CapsAD), 96% dos entrevistados relataram que o apetite diminui com o consumo do crack. Outros 84% disseram que sentem insĂŽnia. Sete a cada 10 dependentes relataram desconforto gastrointestinal. Sintomas da droga que comprometem a gestação. AlĂ©m disso, nos primeiros meses da gravidez, o feto ainda nĂŁo tem a pele queratinizada, o que funciona como espĂ©cie de uma capa protetora formada de proteĂna. Assim, fica vulnerĂĄvel a substĂąncias tĂłxicas que se acumulam no lĂquido amniĂłtico e podem se tornar um reservatĂłrio da droga.
Sobrevivente
O pequeno Victor superou a falta de nutrientes, de oxigĂȘnio, a contaminação tĂłxica. Sobreviveu mesmo recebendo doses diĂĄrias da cocaĂna em pedra, via placenta. Ele nasceu abaixo do peso, sofre crises de refluxo e tem sĂfilis, uma doença sexualmente transmissĂvel, que o contaminou ainda no Ăștero. A enfermidade compromete o sistema nervoso central, o coração e, se nĂŁo for corretamente tratada, pode matar. A poucos dias do parto, Laura pediu ajuda. Chegou vestida em farrapos, descalça, bateu na porta da casa de uma irmĂŁ mais velha, que lhe deu R$ 3 para chegar ao CapsAD do GuarĂĄ. LĂĄ, foi atendida e encaminhada para a comunidade terapĂȘutica das Mulheres de Deus, em CeilĂąndia, onde estĂĄ hĂĄ quatro meses. Em abstinĂȘncia desde a internação, conseguiu o direito de amamentar.
Laura conheceu as drogas por influĂȘncia de amigos. Ela conta que teve pais amorosos. Na casa onde passou a infĂąncia, em Samambaia, as desavenças eram resolvidas com conversa. Mas as boas recordaçÔes nĂŁo foram a principal referĂȘncia da menina, que ficou ĂłrfĂŁ aos 17 anos. O pai morreu de enfizema. A mĂŁe, de cirrose. Os dois bebiam e fumavam muito. Entregaram-se ao vĂcio. Perderam uma firma de limpeza, o apartamento e o carro no jogo do bingo. Laura foi espelho do exemplo de destempero que viu em casa. Chegou a ter marido e um filho, hoje com 11 anos. Mas optou por viver uma aventura. E cortou o caminho com as drogas, que lhe encorajaram para a prostituição.
As viciadas costumam ter muitos parceiros, porque vendem o corpo para conseguir a pedra. Alucinadas com os efeitos da droga, nĂŁo se preocupam em se proteger de doenças. O "Perfil dos usuĂĄrios de cocaĂna e crack no Brasil", de 2008, mostrou que a maioria das dependentes faz sexo diariamente com atĂ© cinco parceiros para manter o vĂcio. Laura nĂŁo sabe quem Ă© o pai da criança em quem hoje deposita a prĂłpria salvação. Chegou a ter dezenas de companheiros em apenas uma noite. "JĂĄ fiz mais de R$ 1 mil em algumas horas." Ela cobrava entre R$ 20 e R$ 50 pelo programa.
Todo o dinheiro que conseguiu com o corpo, empregou no crack. Desenvolveu compulsividade pela pedra. Passou a roubar os parceiros. "Uma mulher sabe como seduzir. Eu pegava o celular, o bonĂ©, atĂ© tĂȘnis eu jĂĄ levei", conta. Laura tem os cabelos pretos, ondulados, quase atĂ© a cintura. Os olhos castanhos, puxados, seios fartos e coxas grossas. Ă uma mulher bonita. Mesmo maltratada pelo desgaste que o crack provoca no corpo, atraiu advogados, professores e atĂ© dois juĂzes para encontros Ăntimos. Chegou a passar uma semana trancada com um magistrado, tambĂ©m viciado em crack, em um motel de CeilĂąndia.
Foi a mulher e a mĂŁe do juiz que foram buscĂĄ-lo. "Elas que me pagaram o programa e o motel. Ele saiu de lĂĄ direto para uma clĂnica. Mas ninguĂ©m me perguntou se eu precisava de ajuda, se queria tratamento", diz a mulher, que voltou para a rua, por onde perambulou trĂȘs meses sem voltar para casa. "Um dia fui comprar pĂŁo, desviei do caminho, passei na boca de fumo e nĂŁo voltei mais. JĂĄ estava viciada."
Recomeço
Laura, que ficou viĂșva do primeiro marido, perdeu a guarda do filho mais velho. O menino mora com o padrasto em Samambaia. "Eu fiz os dois sofrerem demais. Quando fumava, meu filho ligava para o pai de criação e dizia: "A mĂŁe estĂĄ fumando na latinha". Eu batia muito nele. VĂĄrias vezes meu ex-marido foi me pegar na rua, pagar as minhas dĂvidas. Ele nĂŁo usa droga. Era apaixonado por mim, mas um dia nĂŁo me procurou mais. NinguĂ©m aguenta."
Depois que se internou, Laura, hoje com 30 anos, tem recebido a visita do filho mais velho a cada trĂȘs semanas. "Ele nunca ficou tĂŁo feliz comigo. Diz sempre que eu vou melhorar. Eu sei que vou. Quando Victor nasceu, tudo mudou, eu me senti forte, vou superar e voltar a ser uma mulher de verdade", diz. Ela nĂŁo estĂĄ curada. Ainda sofre crises de abstinĂȘncia. Ă vigiada sempre. Mas os profissionais do CapsAD e da comunidade terapĂȘutica que dĂŁo atendimento mĂ©dico e psicolĂłgico a Laura avaliam que o contato com o bebĂȘ pode ajudĂĄ-la a largar o vĂcio no crack. ApĂłs dois meses de internação, a mulher foi liberada para amamentar. Agora sĂŁo as mĂŁos minĂșsculas de Victor, que nasceu de oito meses, com apenas dois 2kg, que sustentam a mĂŁe.
Na tese de graduação pelo Centro UniversitĂĄrio de BrasĂlia (Uniceub) chamada "Caracterização da cultura do crack no Distrito Federal", que observou usuĂĄrios atendidos pelos Centros de Atenção Psicossocial de Ălcool e Drogas (CapsAD), 96% dos entrevistados relataram que o apetite diminui com o consumo do crack. Outros 84% disseram que sentem insĂŽnia. Sete a cada 10 dependentes relataram desconforto gastrointestinal. Sintomas da droga que comprometem a gestação. AlĂ©m disso, nos primeiros meses da gravidez, o feto ainda nĂŁo tem a pele queratinizada, o que funciona como espĂ©cie de uma capa protetora formada de proteĂna. Assim, fica vulnerĂĄvel a substĂąncias tĂłxicas que se acumulam no lĂquido amniĂłtico e podem se tornar um reservatĂłrio da droga.
Sobrevivente
O pequeno Victor superou a falta de nutrientes, de oxigĂȘnio, a contaminação tĂłxica. Sobreviveu mesmo recebendo doses diĂĄrias da cocaĂna em pedra, via placenta. Ele nasceu abaixo do peso, sofre crises de refluxo e tem sĂfilis, uma doença sexualmente transmissĂvel, que o contaminou ainda no Ăștero. A enfermidade compromete o sistema nervoso central, o coração e, se nĂŁo for corretamente tratada, pode matar. A poucos dias do parto, Laura pediu ajuda. Chegou vestida em farrapos, descalça, bateu na porta da casa de uma irmĂŁ mais velha, que lhe deu R$ 3 para chegar ao CapsAD do GuarĂĄ. LĂĄ, foi atendida e encaminhada para a comunidade terapĂȘutica das Mulheres de Deus, em CeilĂąndia, onde estĂĄ hĂĄ quatro meses. Em abstinĂȘncia desde a internação, conseguiu o direito de amamentar.
Laura conheceu as drogas por influĂȘncia de amigos. Ela conta que teve pais amorosos. Na casa onde passou a infĂąncia, em Samambaia, as desavenças eram resolvidas com conversa. Mas as boas recordaçÔes nĂŁo foram a principal referĂȘncia da menina, que ficou ĂłrfĂŁ aos 17 anos. O pai morreu de enfizema. A mĂŁe, de cirrose. Os dois bebiam e fumavam muito. Entregaram-se ao vĂcio. Perderam uma firma de limpeza, o apartamento e o carro no jogo do bingo. Laura foi espelho do exemplo de destempero que viu em casa. Chegou a ter marido e um filho, hoje com 11 anos. Mas optou por viver uma aventura. E cortou o caminho com as drogas, que lhe encorajaram para a prostituição.
As viciadas costumam ter muitos parceiros, porque vendem o corpo para conseguir a pedra. Alucinadas com os efeitos da droga, nĂŁo se preocupam em se proteger de doenças. O "Perfil dos usuĂĄrios de cocaĂna e crack no Brasil", de 2008, mostrou que a maioria das dependentes faz sexo diariamente com atĂ© cinco parceiros para manter o vĂcio. Laura nĂŁo sabe quem Ă© o pai da criança em quem hoje deposita a prĂłpria salvação. Chegou a ter dezenas de companheiros em apenas uma noite. "JĂĄ fiz mais de R$ 1 mil em algumas horas." Ela cobrava entre R$ 20 e R$ 50 pelo programa.
Todo o dinheiro que conseguiu com o corpo, empregou no crack. Desenvolveu compulsividade pela pedra. Passou a roubar os parceiros. "Uma mulher sabe como seduzir. Eu pegava o celular, o bonĂ©, atĂ© tĂȘnis eu jĂĄ levei", conta. Laura tem os cabelos pretos, ondulados, quase atĂ© a cintura. Os olhos castanhos, puxados, seios fartos e coxas grossas. Ă uma mulher bonita. Mesmo maltratada pelo desgaste que o crack provoca no corpo, atraiu advogados, professores e atĂ© dois juĂzes para encontros Ăntimos. Chegou a passar uma semana trancada com um magistrado, tambĂ©m viciado em crack, em um motel de CeilĂąndia.
Foi a mulher e a mĂŁe do juiz que foram buscĂĄ-lo. "Elas que me pagaram o programa e o motel. Ele saiu de lĂĄ direto para uma clĂnica. Mas ninguĂ©m me perguntou se eu precisava de ajuda, se queria tratamento", diz a mulher, que voltou para a rua, por onde perambulou trĂȘs meses sem voltar para casa. "Um dia fui comprar pĂŁo, desviei do caminho, passei na boca de fumo e nĂŁo voltei mais. JĂĄ estava viciada."
Recomeço
Laura, que ficou viĂșva do primeiro marido, perdeu a guarda do filho mais velho. O menino mora com o padrasto em Samambaia. "Eu fiz os dois sofrerem demais. Quando fumava, meu filho ligava para o pai de criação e dizia: "A mĂŁe estĂĄ fumando na latinha". Eu batia muito nele. VĂĄrias vezes meu ex-marido foi me pegar na rua, pagar as minhas dĂvidas. Ele nĂŁo usa droga. Era apaixonado por mim, mas um dia nĂŁo me procurou mais. NinguĂ©m aguenta."
Depois que se internou, Laura, hoje com 30 anos, tem recebido a visita do filho mais velho a cada trĂȘs semanas. "Ele nunca ficou tĂŁo feliz comigo. Diz sempre que eu vou melhorar. Eu sei que vou. Quando Victor nasceu, tudo mudou, eu me senti forte, vou superar e voltar a ser uma mulher de verdade", diz. Ela nĂŁo estĂĄ curada. Ainda sofre crises de abstinĂȘncia. Ă vigiada sempre. Mas os profissionais do CapsAD e da comunidade terapĂȘutica que dĂŁo atendimento mĂ©dico e psicolĂłgico a Laura avaliam que o contato com o bebĂȘ pode ajudĂĄ-la a largar o vĂcio no crack. ApĂłs dois meses de internação, a mulher foi liberada para amamentar. Agora sĂŁo as mĂŁos minĂșsculas de Victor, que nasceu de oito meses, com apenas dois 2kg, que sustentam a mĂŁe.
Nenhum comentĂĄrio